segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Baba Yaga - Mulher Selvagem


BABA YAGA
Caminho pela floresta e falo intimamente com os animais
Danço descalça na chuvaDanço nuaViajo por caminhos
que eu mesma façoe da maneira que me convémMeus
instintos e meu olfato são aguçados Expresso livremente minha vitalidade
minha alegria pura e exuberantepara agradar a mim mesma
porque é naturalé o que tem de serSou a selvagem e
jubilosa energia vital Venha e junte-se a mim Baba-Yaga
é uma velha, muito velha, que vive em uma cabana sobre pés-de-galinha. Ela se
alimenta de ossos humanos moídos em seu pilão, mas há quem diga que também come
criancinhas com seus dentes de ferro. E voa dentro de um almofariz de prata,
muito veloz. Contam ainda que o rastro de cinzas que deixa pelo céu, rapidamente
a danada vai apagando com sua vassoura. Importante figura no imaginário do
povo russo, Baba-Yaga está presente em muitos contos tradicionais, no caminho de
Vassilissa, a bela, ou do destemido Príncipe Ivan, como nas bilinas (narrativas
em verso) de grandes poetas românticos, entre eles, Gogol, Puchkin, Liermontov.
Igualmente na música clássica daquele país, alguns compositores se dedicaram a
fazer-lhe um “retrato sonoro”: temos três poemas orquestrais com Dargomíshky,
Balakirev e Liadov; ela também aparece na suíte Quadros de uma Exposição, de
Mussorgsky, e no Álbum para Crianças, de Tchaikovsky. Talvez, a primeira
antologia de literatura russa de tradição oral, que o público de língua
portuguesa teve acesso, fora feita por Alfredo Apell, nos idos da década de
1920. No Brasil, a bruxa aparece na história de encantamentos “A
princesa-serpente”, na coletânea Contos populares russos organizada por J. Vale
Moutinho (Nova Crítica, 1978 e Princípio, 1990), mas coube à escritora Tatiana
Belinky o resgate mais bem divulgado como literatura para crianças: a velha Yaga
e a magia das skáskas (narrativas maravilhosas) estão em Sete contos russos
(Companhia das Letrinhas, 1995). Mais recentemente, foram publicados, em três
volumes, os Contos de fadas russos, organizados por Aleksandr Afanas'ev, a
partir de 1855, com o título Narodnye russkii skazki, base destes trabalhos e
outras formas adaptadas (Landy, 2002 e 2003).Quase sempre, Baba-Yaga é a
temível bruxa, a malvada, la maliarda. Às vezes, ela parece ser apenas uma
grande conselheira ou a guardiã de muitos segredos, moradora da escuridão numa
densa floresta. Sob esta faceta, Baba-Yaga seria assim como a representação da
Mãe-Natureza, igualando-se às antigas deusas, uma divindade com poderes sobre a
vida e a morte porque rico em mistérios é seu perfil. Contudo, nossa maneira
apressada de encarar as realidades imaginárias acomodou-se sobre a lógica a
dividir o mundo em partes e posições irreconciliáveis. Quando se pensa em
bruxas, evocam-se as fadas e uma eterna rivalidade, ou seja, a luta entre o Bem
e o Mal. Ora, a designação “bruxa” dada às velhas sábias surgiu muito antes
do cristianismo lançar sua caça à elas, e referia-se a uma casta de sacerdotisas
de um sistema religioso antigo e diferente, com caracteres próprios ao
paganismo: uma religião de culto à Terra. Durante a baixa Idade Média (até
meados de 1400), as bruxas eram tidas em consideração pelos campônios, aldeões e
demais homens das vilas. A bruxaria era, para o Clero e a Coroa, uma simples
superstição e, de modo algum, estava associada aos poderes do Mal.
Reconhecidamente, as velhas que prestavam serviços para toda a comunidade na
condição de parteiras, curandeiras, conselheiras, eram bruxas. Acreditava-se
(uma tradição que ainda hoje se mantém) que essas mulheres tinham poder e
influência sobre o corpo de outras pessoas e podiam curar doenças, bem como
havia a crença de que sua magia e outras formas de projeção podiam favorecer a
boa colheita. Com suas ervas milagreiras, a antecipação do futuro e outras
simpatias, as bruxas eram respeitadas. A Medicina era ainda uma ciência
incipiente, atendendo prioritariamente às camadas mais altas da sociedade
medieval, como a nobreza e o clero; mesmo assim, os resultados a que chegava
eram menores e mais incertos que os milagres operados pelas velhas sábias do
povo. No entanto, com a crise que a igreja medieval enfrentou junto às
classes populares, as bruxas acabariam por cair em desgraça. Política e religião
uniram forças e passaram a difundir novas imagens e idéias a respeito do
curandeirismo e outras superstições relacionadas às velhas. Tornaram-se agentes
do Mal, foram demonizadas dentro dos tribunais, em oposição a um sistema que
representava a visão do Bem. Como portadoras de uma maldição divina, as bruxas
se transformaram ideologicamente em consortes do próprio Diabo — ao mesmo tempo
em que, na iconografia da época, o anjo soberbo ganhava novos contornos,
assemelhando-se ao traçado animalesco e profano do antigo deus Pã. Fora criado
igualmente o conceito de sabá, a grande festa orgíaca em que a devassidão, a
gula e a beberagem tomavam a cena, gerando terror e histerismo entre o povo.
O velho conselho de uma bruxa não continha mais sabedoria, tornou-se um
maledicente sussurro como um vento sequioso, frio e corruptor. E, entre os véus
e alguma penumbra da fantasia, surgiram voláteis fadas, numinosas entidades,
obrigando as mulheres-bruxas a esconderem-se em refúgios cada vez mais ermos. Os
contos populares de magia são pródigos nas imagens do sítio abandonado, da alta
torre, do castelo debaixo da montanha ou imerso no mar, como a casa perdida no
meio da floresta em que ninguém ousa penetrar. Vassilissa, a Formosa, andou
e andou, e só ao entardecer do dia seguinte ela chegou à clareira onde ficava a
cabana da Baba-Iagá. A cerca em volta dessa isbá era toda feita de ossos
humanos, encabeçados por crânios espetados neles, com olhos humanos nas órbitas.
E o trinco do portão era uma boca humana cheia de dentes aguçados. E a casinha
era construída sobre grandes pés de galinha. (Belinky 1996: 25-6)Longe do
convívio humano, Baba-Yaga tem o domínio pleno e solitário da floresta, suas
árvores e as sombras, revelando-se como uma das manifestações do arquétipo
feminino da Grande-Mãe, com quem, em última instância, todos buscam um consolo
ou ajuda. O encontro de Vassilissa com ela guarda certas semelhanças com uma
versão primitiva pouco conhecida do conto de O Chapeuzinho Vermelho, que remete
não apenas a um rito de passagem, mas à transmissão de poderes da mulher velha
para a jovem (Kaplan, 1997). É necessário um período de convivência
naquela cabana e abandonar os temores e a curiosidade infantis, para que uma
nova aprendizagem se estabeleça. É ilustrativo o diálogo com Vassilissa, a
respeito dos três cavaleiros que a menina vira passar (o branco, o rubro e o
preto), quando se dirigia à cabana sobre pés-de-galinha. A velha responde que
eles respectivamente são “meu dia, minha tarde, minha noite”. Não poderia se
expressar de outra maneira, não fosse a verdadeira senhora da passagem do tempo.
“Podemos chamá-la de Grande Deusa da Natureza”, afirma Marie-Louise von Franz,
mas “obviamente, com todos esses esqueletos em volta de sua casa, ela é também a
Deusa da Morte, que é um aspecto da natureza” (1985: 208). Baba-Yaga compreende
igualmente os dois mistérios extremos da Vida, o nascimento (criação) e a morte
(destruição). A Grande Mãe nem sempre é Boa Mãe. Na escala grandiosa, o seu
aspecto negativo, devorador e asfixiante, denomina-se a Mãe Terrível [...] Nos
mitos, aparece como a mãe devoradora que come os próprios filhos. Conhecemo-la
como a cruel Mãe Natureza, que procura repossuir toda a vida — toda a
civilização — com a finalidade de colocar tudo de novo dentro do ventre primevo.
Como terremoto, abre literalmente o ventre para sugar o homem e suas criações de
volta a si mesma. (Nichols 1995: 105)Além de suas qualidades dóceis e
férteis, o arquétipo da Grande-Mãe simboliza a destruição necessária para uma
nova ordem. O sorriso malévolo de Baba-Yaga pode ser comparado com inúmeras
representações de um tipo de mãe-fera, como é o caso da deusa Kali da tradição
hindu. Sedenta de sangue, Kali pode surgir inesperadamente diante de seu
expectador com a língua vermelha estirada para fora — antevendo o prazer da
devoração. Do bosque saiu a malvada Baba-Iaga. Viajava dentro de um
almofariz e segurava na mão o pilão e a vassoura.— Cheira-me aqui a carne
humana! — suspeitou a terrível bruxa. Vassilissa estava tão aterrorizada que
se sentiu desmaiar. Tudo em volta era sinistro e Baba-Iaga tinha um ar
ameaçador. Mas resolveu encher-se de coragem. Já que ali estava, pelos menos ia
tentar a sorte e pedir ajuda àquela horrível bruxa. Assim, aproximou-se da
velha, inclinou-se e disse: — Olá, avozinha! As minhas irmãs mandaram-me vir
ter contigo, para te pedir lume. (Beliayeva 1995: 81)Quando nos depararmos
com o temívelQ, ou mesmo com o nariz e as rugas de Baba-Yaga, intimamente
sabemos algo de sua força e sua ancestralidade mágica. Tratá-la com
respeito é o primeiro passo para conquistar respeito em troca. Quando Vassilissa
encara a feiticeira com sinceridade, sem soberba ante o perigo, assegura as
chances para uma cumplicidade e convivência pacífica com a velha. Não cair em
sua ira devoradora significa ter acesso aos conhecimentos dessa potestade
arquetípica. Durante a estadia na isbá da bruxa, há de recuperar essa memória,
os segredos de quem sabe ouvir a música das correntezas subterrâneas. Ao mesmo
tempo em que vai demonstrando sinais de afeição, a menina reconhece na outra o
saber, ainda que inconsciente, na verdade é seu. Afinal, que imagem o espelho de
seus olhos refletirá? Enquanto Baba-Yaga jantava, Wassilissa ficou ali
perto, silenciosa. Baba-Yaga disse: “Por que é que você está me olhando sem
dizer nada? Você é muda?” A menina respondeu: “Se pudesse, gostaria de lhe
fazer algumas perguntas.”“Pergunte”, disse Baba-Yaga, “mas lembre-se, nem
todas as perguntas são boas. Saber demais envelhece!” (von Franz 1985:
206)http://dobrasdaleitura.com/contopop/index.html

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