segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Mito da Jibóia - do povo Huni Kuin

desenho de Bane Sales

Mito da Jibóia, por Isaías
Sales Ibã Kaxinawá

“Um dia um índio foi caçar dentro da floresta, no caminho, na beira do lago
encontrou um pé de jenipapo. As frutas dão fartura e comida aos bichos da mata.
Ele parou de caminhar, tinha muito rastro de anta e veado. Pensou, e fez uma tocaia
para poder esperar a anta e o veado. Pensou, e fez uma tocaia para poder
esperar a anta e o veado. Fez uma casa de pequena de palha de jarina bem
fechada. Entrou na tocaia e ficou esperando os animais. Nada de chegar o veado
(txashu) e a anta (awa). Ficou aperreado, sentiu sono e dormiu dentro de sua
tocaia. De repente ouviu um barulho, levantou-se para ver o que era. Viu uma
anta (awa) procurando jenipapo. Pegou três frutas de jenipapo e foi descendo
devagarzinho na beira do lago.
O homem da tocaia começou a prestar atenção no segredo da anta, o que ela estava
fazendo. A anta ficou na beira do lago jogou as frutas de jenipapo, para baixo,
pra cima e no meio. A anta (awa) ficou esperando e logo começou a sair muita
espuma no meio do lago, no meio da espuma, ela boiou: era uma mulher clara de
cabelos compridos e lisos, magra e bonita. Era uma mulher jibóia que vinha
atrás da anata. Ela subiu pra terra, abraçou e beijou a anta (awa). A anta
transou com a mulher jibóia.
O homem da tocaia viu o segredo da anta ou awa e somente observando, apaixonou-se
pela mulher encantada.
A anta (awa) terminou de fazer amor com ela e combinou para se encontrarem na
outra semana. O homem dentro da tocaia ouviu a conversa dos dois. A awa foi
embora e a mulher sumiu para dentro do lago. O homem pensou.
Saiu de dentro da tocaia fazendo do mesmo jeito que a awa fez: pegou três frutas de
jenipapo, jogou do jeito que ele viu. Demorou pouco tempo e começou a sair
espuma, saiu do mesmo jeito, a mulher muito bonita (hadua).
Ela chegou à beira do rio e procurou o homem que a chamou.
_
Onde você está escondido? Saia logo.
O homem da tocaia fez isso, ficou escondido e respondeu:
-
Eu estou aqui esperando você
Ela subiu para a terra e encontrou o homem sentado. Ela chegou perto dele e
perguntou:
_
Quem me chamou?
O homem respondeu:
_
Fui eu. Estou chamando poruqe estava caçando, encontrei jenipapo na beira do meu caminho, vi anta e veado comendo muitas frutas de jenipapo. Fiz tocaia pra ficar esperando veado e anta.
A anta chegou e fez mágica no lago. Saiu uma mulher muito linda, eles tiveram
relação, vi de dentro da minha tocaia. Quando foram embora, a anta e a mulher,
fiquei apaixonado pela mulher. Fiz amesma coisa que a anta fez.
O homem falou assim com ela. Ela achou graça e respondeu pra ele:
_
Eu sou mulher, mas não sou daqui, eu moro muito longe. Faz tempo que tu estás
aqui?
Ele respondeu:
_
Faz horas. E eu vi tudo como a anta fez com a mulher.
A mulher perguntou:
Tu tem mulher?
O homem respondeu
_
Eu tenho. E você tem marido?
Ela falou:
_
Somente tenho namorado
_
Então vamos txuta?
Ela aceitou. O homem txutou. Ela gostou muito de fazer amor. Depois disso a mulher
não quiz mais deixá-lo. Ela o convidou pra morarem juntos. O homem aceitou.
A mulher pegou remédio, botou remédio no olho
do índio, já encantado com ela. Ele foi com ela pra terra da jibóia debaixo da
água, para outro mundo, virou encanto de jibóia.
Chegou a sua casa, entrou no quarto e ficou dentro do seu quarto.
Ela falou assim pra ele:
_
Eu vou avisar para o meu pai e a minha mãe.
Foi e avisou assim:
_
Eu já consegui marido.
Os parentes dela gostaram dele. Ele morou com ela 12 anos, fez três filhos
jibóias, dois homens e uma mulher.
Um dai a mulher jibóia começou a preparar o cipó para tomar com o seu povo.
Quando estava tirando muito cipó e fazendo o preparo, o marido chegou, e perguntou:
_
O que é isto?
A mulher dele explicou:
_
Esse é cipó Huni Pae. Estou fazendo chá para beber e ver coisa bonita. Ele
ficou animado e disse:
_
Então eu vou tomar também.
A mulher disse que não podia beber.
_
Você é uma pessoa nova que está conhecendo agora, então você não pode tomar com
a gente.
O homem teimou e tomou o cipó preparado. A mulher, o sogro e a sogra tomaram e
veio amiração muito forte, apresentando muita luz forte.
O homem não aguentou, quando a mulher começou a cantar, a sogra e o sogro estavam
cantando também. Ele começou a gritar, pensando que não retornaria mais, estava
vendo na miração que seu sogro o estava engolindo, ele se viu dentro da jibóia.
Quando a pressão foi embora o homem parou de gritar, mas quando estava gritando contou
sobre sua vida. Euando estava dentro da jibóia descobriu que a mulher dele era
uma jibóia. Até então ele não sabia que estava encantado.
Todos da família da mulher ficaram desconfiados, não estavam mais gostando dele. O
índio ficou ntodo triste e desconfiado, se fechou com ele mesmo. Ficou pensando
que estava perdido morando muito longe de sua família antiga. Não tinha nenhuma
idéia para voltar pra sua família.
Até que um dia chegou uma mulher bem morena. O homem estava sentado lá fora
pensando, a mulher passou perto dele. E falou:
_
O que você está pensando homem?
O homem respondeu:
_
A minha mulher não quer mais morar comigo.
A mulher respondeu:
_
Tá muito fácil, meu nome é Ixke, moro perto da sua família, que você deixou.
Está vendo o meu cabelo todo assanhado? É por causa de você, que deixou sua
família. Estão todos passando mal, eles queriam me pegar e puxaram o meu
cabelo. Melhor tu ir embora, não deve morar mais aqui, a tua mulher jibóia está
aprontando para te matar.
O índio falou com Ixke:
_
Como posso voltar?
_
É muito fácil. É assim: vai pegando o igarapé, subindo até a cabeceira, e lá
vai encontrar raiz de paxiúba, onde está pingando água. Tu sais, vais embora.
Ixke explicou para ele.
No outro dia o índio foi caçar, falou pra mulher assim:
_
Eu vou caçar e volto aqui.
Ele saiu bem cedinho, pegou o igarapé, foi subindo até encontrar Ixke e encontrou a
raiz de paxiúba, boiou perto da sua casa deste lado do mundo.
Encontrou um parente dele, ficou na casa do cunhado antigo. Contou a sua história com a
mulher jibóia. O homem passou um tempo morando com seu cunhado.
Os três filhos que teve com a mulher jibóia estavam muito preocupados procurando o
pai.
Deste lado do mundo, ele foi caçar de novo na beira do igarapé, então encontrou o seu
filho mais novo. O filho jibóia vendo que encontrou o pai dele, chamou o outro irmão, a irmã e a
mãe.
O filho que encontrou o pai, logo engoliu o dedo do pé, o filho jibóia gritou
assim:
_
siri siri siri
Veio
o outro filho mais velho e engoliu até a coxa. Veio o outro filho mais novo e
engoliu até a cintura.
O
homem começou a gritar chamando seus outros parentes do mundo de cá:
_
Venham meus parentes, As jib’loias estão me en golindo.
Gritou
para os outros parentes escutarem. O parente escutou, veio na carriera e
encontrou o homem com a cintura sendo engolido pela parenta jibóia. Com os
outros parentes conseguiram tirar ele.
O
homem ficou com o corpo todo mole, ficou na rede, estava doente, falou para seu
cunhado:
_
quando eu morrer me enterra, passando seis meses pode me procurar na miha
sepultura. Na parte da direita vou virar cipó, na parte da esquerda vou virar
rainha. Tira o cipó, corta uma palma de comprido, bate com um pedaço de pau,
tira a casca, bota água junto com a folha, pode cozinhar e depois cantando, eu
fico dentro do cipó explicando pra você.
Foi explicando pro cunhado dele enquanto morria. Enterraram, passou seis meses, o
cunhado dele fooi visitar a sepultura e já tinha nascido o cipó e a rainha.
Tirou os dois juntos. Fez como ele havia explicado.
Fez o cipó, tomou, veio a miração, teve muitas explicações, mostrando o futuro,
presente, passado. É verdade, do homem surgiu o cipó. É essa a nossa
história.”


Sobre o povo Huni Kuin
O Povo Huni Kuin, que significa “povo verdadeiro”, como se auto-denominam vivem na Floresta Amazônica desde o Peru até o Acre. Mais conhecidos como Kaxinawá, falam a língua Hatxa Kuin, da família linguística Pano. Com a população de aproximadamente 7000 indivíduos do lado do Brasil, no Acre, constituem o povo nativo mais numeroso do estado. São 61 aldeias de 12 terras indígenas ao longos dos rios: Purus, Juruá, Envira, Muru, Humaitá, Taraucá, Jordão e Breu.
Em 1898 após os primeiros contatos com o povo da cidade, começou o massacre dizimando parte do povo e escravizando outra parte. Hoje, conseguiram superar há muito a dominação e são
organizados internamente através de liderança política, professores bilingues, agentes de saúde, agentes agroflorestais, pajés, parteiras, mestra e artistas.
Possuem uma associação que se preocupa em desenvolver a comunidade e estabelecer uma parceria com a cidade. (MANÁ, J. – Nuku Kenu Xarabu,
apresentação)
Seus rituais, danças, artes e pajelança tem a ver com os ensinamentos da jibóia, considerada a deusa e o deus do povo Huni Kuin.
“A jibóia é o deus e a deusa da floresta, é o encanto da floresta, é um símbolo sagrado do nosso povo.” – Fabiano Txana Bane Huni Kuin

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